Palavras proferidas pelo recipiente do Prêmio Nobel da Paz, Elie Wiesel, durante a reunião da Cúpula de Emergência sobre Darfur, realizada no Centro de Pós-Graduação da Universidade da Cidade de Nova Iorque (CUNY), no dia 14 de julho de 2004, pela organização American Jewish World Service e pelo Museu Memorial do Holocausto nos Estados Unidos.

O Sudão é hoje a capital mundial da dor, do sofrimento e da agonia. Lá, uma parte da população foi– e continua sendo – submetida pela parte dominante à humilhação, à fome e à morte. Por algum tempo o assim chamado mundo civilizado sabia disto mas preferia olhar para o outro lado. Agora, as pessoas sabem e, portanto, não têm mais justificativa para sua passividade, que mais parece indiferença. As pessoas que, como vocês meus amigos, tentam derrubar os muros da apatia merecem o apoio e a solidariedade de todos.

Este encontro foi realizado por diversas organizações importantes, como o Comitê de Consciência do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, aqui representado por Jerry Fowler, o Centro de Pós-Graduação da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY), o American Jewish World Service, aqui representado por Ruth Messinger,além de várias outras organizações humanitárias.

Eu estou particularmente envolvido nos esforços de ajuda às vítimas sudanesas já há alguns anos, como conseqüência direta ou indireta de uma palestra que dei na Casa Branca em abril de 1999 sobre "Os Perigos da Indiferença". Quando terminei de falar, uma mulher na platéia levantou-se e disse: "Eu sou de Ruanda", e então perguntou como eu explicaria a indiferença da comunidade internacional aos massacres que lá ocorrem. Eu me voltei ao presidente, que estava sentado à minha direita, e disse: "Sr. Presidente, é melhor que o senhor responda a esta pergunta. O senhor sabe tão bem quanto nós que a tragédia em Ruanda, que atingiu de 600.000 a 800.000 vítimas, entre homens, mulheres e crianças inocentes, poderia ter sido evitada. Por que não o foi?" Sua resposta foi honesta e sincera: "É verdade, esta tragédia poderia ter sido evitada. Por esta razão fui àqele país pedir desculpas, em meu nome e em nome do povo norte-americano. Mas faço aqui uma promessa: isto nunca mais se repetirá!"

No dia seguinte, conversei com uma delegação composta por sudaneses e por amigos daquele povo, liderada por um bispo sudanês refugiado. Eles me contaram que dois milhões de sudaneses já haviam morrido e disseram: "Agora, você é o guardião da promessa do Presidente. Faça com que ele a mantenha, ajudando a acabar com o genocídio no Sudão."

Esta tragédia brutal continua a ocorrer no Sudão, na região de Darfur. Hoje, seus horrores estão sendo mostrados através dos aparelhos de televisão e nas capas e primeiras páginas de revistas e jornais influentes. Delegações do Congresso, enviados especiais e agências humanitárias trazem notícias da região repletas de horror. Um milhão de seres humanos, de todas as idades, foram expulsos e deportados de seus lares, centenas de mulheres são violentadas todos os dias, e crianças morrem pela fome e pela violência.

Como é possível a um cidadão de um país livre não prestar atenção nisto? Como é possível qualquer pessoa, em qualquer lugar, não ficar horrorizada? Como é possível uma pessoa, religiosa ou não, deixar de sentir compaixão? E, acima de tudo, como é possível que alguém saiba e fique em silêncio?

Como judeu, que não costumo comparar nenhum evento ao Holocausto, sinto-me preocupado e desafiado pela tragédia no Sudão. Temos todos que nos envolver! Como podemos repreender a indiferença dos não-judeus para com o nosso sofrimento se ficarmos indiferentes com a situação caótica e dolorosa de outros povos?

A mesma coisa que aconteceu no Camboja, na antiga Iugoslávia e em Ruanda agora acontece no Sudão. Três continentes-- Ásia, Europa, e África -- se tornaram prisões, campos de matança e cemitérios para incontáveis inocentes e populações indefesas. Será que a praga que se espalha terá condições de se espalhar?

Lo taamod al dam réakha é um mandamento bíblico que diz "Não fique impassível ao ver o sangue de teu semelhante." A palavra não é khikha, teu irmão judeu, mas sim réakha, teu ser humano, teu semelhante, seja ele, ou ela, judeu ou não. Todas as pessoas têm o direito de viver com dignidade e esperança. Todas as pessoas têm o direito de viver sem medo e sofrimento.

Não auxiliar as vítimas do Sudão hoje seria para mim desonrar as lições que aprendi com meus professores, meus ancestrais e meus amigos, a de que apenas Deus é capaz de permanecer sozinho, mas não Suas criaturas.

O que mais me dói e magoa neste momento é saber que ao mesmo tempo em que estamos aqui sentados discutindo como nos comportar moralmente, de modo individual e coletivo, lá em Darfur e outros lugares do Sudão seres humanos estão matando e sendo mortos.

Se as vítimas sudanesas se sentirem abandonadas e negligenciadas terá sido por falha nossa – e talvez por nossa culpa também.

Por isto devemos intervir.

Se fizermos isto, as vítimas e seus filhos nos serão gratos, assim como os nossos filhos, por meio deles, também nos serão.