
Eyshishok: A Aniquilação Total de Uma Comunidade Judaica
A Alemanha, seus aliados e colaboracionistas de vários países perpetraram operações, grandes e pequenas, de assassinato em massa dos israelitas através de tiroteios coordenados, e em grande escala, contra comunidades judaicas inteiras nas áreas ocupadas pelos nazistas no leste da Europa; isto, muitas vezes, é conhecido como o “Holocausto pelos tiros”. Cerca de dois milhões de judeus foram assassinados através deste tipo de chacina e dos massacres a ela associados. Dessa forma, as autoridades alemãs destruíram comunidades judaicas em mais de 1.500 aldeias rurais, e cidades de pequeno e grande porte da Europa Oriental. Eyshishok foi uma destas comunidades
Fatos-Chave
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Antes da Segunda Guerra Mundial, Eyshishok era uma cidade predominantemente judaica localizada no nordeste da Polônia. Durante a guerra, Eyshishok mudou de mãos várias vezes entre países diferentes.
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Em 25 e 26 de setembro de 1941, o Einsatzkommando 3 alemão e as forças colaboracionistas lituanas atiraram contra e assassinaram aproximadamente 3.500 judeus, a maioria dos moradores da cidade.
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Os judeus de Eyshishok são lembrados na Tower of Faces (Torre das Faces), uma exposição no Museu Estadunidense Memorial do Holocausto. A Torre apresenta mais de mil fotografias da vida antes do Holocausto.
A comunidade judaica de Eyshishok se tornou um símbolo das vidas e comunidades que foram destruídas durante o Holocausto. As pessoas da cidade de Eyshishok são homenageadas na exposição Tower of Faces do Museu Estadunidense Memorial do Holocausto.
Historicamente, Eyshishok teve vários nomes diferentes, incluindo Ejszyszki (em polonês) e Eišiškės (em lituano). Eyshishok era o nome em iídiche desta cidade, sendo o nome normalmente usado pela comunidade judaica que ali vivia. Hoje, Eyshishok está localizado no Condado de Vilnius, na Lituânia, perto da fronteira lituano-bielorrussa. Porém, quando a Segunda Guerra Mundial começou, essa área fazia parte da Polônia.
Eyshishok e a região ao seu redor têm uma longa história de diversidade. multirreligiosa, multiétnica e multilíngue. Isso se devia parcialmente ao fato de que a região havia mudado de mãos por várias vezes nos últimos trezentos anos. Historicamente, a região abrigava diferentes grupos étnicos que falavam línguas diversas: bielorrussos, judeus, lituanos, poloneses, tártaros e outros. Era também uma região multirreligiosa que abrigava católicos, israelitas, muçulmanos e cristãos ortodoxos.
Antes do Holocausto, Eyshishok era considerado um shtetl, uma palavra iídiche que normalmente descrevia uma pequena cidade mercantil situada no leste da Europa com uma população predominantemente judaica. No final do século 19, a população de Eyshishok era de cerca de duas a três mil pessoas, das quais 70% eram israelitas. Os outros 30% eram principalmente poloneses, cuja maioria era católica romana. Na região de Eyshishok, a maioria dos camponeses era etnicamente polonesa, mas lituanos, tártaros e bielorrussos também viviam na região e interagiam com o povo de Eyshishok.
A Comunidade Judaica em Eyshishok
Havia uma comunidade judaica documentada em Eyshishok já há mais de 250 anos antes do Holocausto. Durante o período entre-Guerras, a comunidade judaica de Eyshishok somava aproximadamente duas mil pessoas. A população exata oscilou como resultado das Guerras e da emigração do local.
Para os judeus de Eyshishok, a vida na cidade estava profundamente enraizada na tradição judaica. Havia diversas organizações culturais judaicas, atividades educacionais e sociedades de assistência social na cidade. Perto da praça principal, havia um complexo de sinagoga. No pátio da sinagoga (shulhoyf), havia dois espaços designados para o estudo da Torá (a antiga e a nova sala-de-estudos, (batei midrashim) e um local para banhos rituais (mikvah). Havia também uma escola de ensino hebraico.
A vida econômica em Eyshishok se centrava na praça do mercado e no mercado semanal lá realizado às quintas-feiras. A praça do mercado no centro da cidade abrigava muitas das lojas e dos negócios da cidade. A clientela incluía os habitantes judeus e poloneses citadinos e de áreas rurais. Muitas famílias judias da cidade administravam e eram proprietárias de pequenas empresas, como padarias, estúdios de fotografia, tabernas e mercearias; e algun israelitas trabalhavam como sapateiros, alfaiates, ferreiros, açougueiros ou em outros tipos de serviços. Muitas dessas empresas enfrentaram dificuldades nas décadas de 1920 e 1930. Naquela época, as políticas econômicas do governo polonês impactaram negativamente o comércio e os negócios judaicos.
Mesmo que a comunidade judaica de Eyshishok fosse unida, com o passar do tempo ela se tornava cada vez mais diversificada. Nas décadas de 1920 e 1930, o desenvolvimento da infraestrutura na região passou a conectar Eyshishok ao mundo exterior com frequência crescente. Na década de 1920, o governo da Polônia construiu uma estrada pavimentada que passava por Eyshishok. Uma família judia administrava um posto de gasolina Shell no centro da cidade, onde os ônibus se reabasteciam. Em 1931, a cidade recebeu eletricidade pela primeira vez.
Nem todos na comunidade judaica de Eyshishok compartilhavam as mesmas opiniões políticas ou abordagens religiosas. As mesmas divisões geracionais e políticas da modernidade que causavam conflitos em grande parte da Europa e da América do Norte também eram evidentes em Eyshishok. As gerações mais novas se afastavam das tradições do shtetl, sendo muitos atraídos pela vida moderna nas grandes cidades e centros culturais, como Vilna (Wilno/Vilnius). Alguns foram até mesmo atraídos por movimentos políticos modernos e seculares, como o Comunismo.
Relações Interétnicas em Eyshishok
Em Eyshishok, os judeus não viviam isolados dos outros grupos na região. Judeus e não- judeus em Eyshishok viviam próximos uns aos outros e trabalhavam juntos diariamente, sendo que muitos tinham relações estreitas de amizade. Alguns camponeses poloneses até mantinham uma panela separada para os visitantes israelitas que observavam as leis de kashrut, isto é, praticavam padrões alimentares rigorosos de acordo com a lei religiosa judaica encontrada no livro de Levíticus e na sua tradição oral.
Por exemplo, os Kabaczniks formavam uma das famílias judaicas mais proeminentes da cidade. Eles administravam uma fábrica de curtumes e um negócio de couro no atacado. Muitos de seus empregados eram poloneses cristãos, incluindo a empregada que falava iídiche com a família. Os Kabaczniks eram muito amigos de algumas famílias polonesas da cidade. Miriam Kabacznik contou,
Era uma vida normal. Uma vida normal, bacana. Nós já nos conhecíamos. Eram amigáveis. Éramos bem-recebidos. Jamais tivemos uma porta fechada à chave. As portas sempre ficavam abertas e destrancadas. E tínhamos muitos amigos entre os não-judeus. Eles eram sempre bem-vindos à casa. E entravam.
Mas também havia dificuldades entre indivíduos e grupos em Eyshishok. As interações eram, por vezes, marcadas por preconceitos e ressentimentos. Estas dificuldades frequentemente tinham raízes em diferenças religiosas e de classe. Por exemplo, frequentemente ocorriam confrontos entre camponeses e moradores da cidade no dia do mercado. Algumas das crianças judias lembraram-se de desentendimentos no pátio da escola, em que seus colegas poloneses usavam insultos antissemitas.
A Segunda Guerra Mundial modificou as relações existentes em Eyshishok. As forças de ocupação instigaram a rivalidade entre os grupos. Ao fazer isso, eles subverteram as dinâmicas étnicas e de classe que vinham de longa data. A brutalidade da ocupação nazista seria especialmente desestabilizadora e destrutiva.
Eyshishok e o Rumo da Segunda Guerra Mundial
A Segunda Guerra Mundial começou na Europa em setembro de 1939 quando a Alemanha invadiu a Polônia. Duas semanas depois, a União Soviética invadiu e ocupou o leste da Polônia. Essa região, sob ocupação soviética, incluía Eyshishok. Em outubro de 1939, a União Soviética transferiu Eyshishok e a região circundante para a Lituânia.
Eyshishok como Cidade Fronteiriça na Lituânia (1939 - 1940)
A partir de outubro de 1939, Eyshishok passou a ficar localizada na Lituânia, estando a apenas alguns quilômetros da fronteira entre a Lituânia e a área da Polônia ocupada pelos soviéticos.
Como cidade fronteiriça, Eyshishok serviu como ponto de trânsito para refugiados judeus. Naquela época, os israelitas e outros grupos ainda conseguiam escapar da Polônia, ocupada pelos alemães e soviéticos, através da Lituânia. Muitas pessoas cruzaram a fronteira ilegalmente, evitando a polícia de fronteira lituana. Camponeses locais frequentemente guiavam refugiados através da fronteira para Eyshishok e depois para Vilna. Esses refugiados precisavam de comida, abrigo e orientação. O rabino de Eyshishok, Szymen Rozowski, formou um comitê para auxiliá-los.
Os judeus de Eyshishok souberam através dos refugiados judeus sobre a perseguição nazista aos israelitas na área da Polônia ocupada pela Alemanha.
Ocupação Soviética da Lituânia (Verão de 1940 - Junho de 1941)
Durante o verão de 1940, a União Soviética invadiu e anexou a Lituânia. Isso significava que Eyshishok mais uma vez ficaria sob controle soviético. Os soviéticos transformaram a administração da Lituânia, colocando comunistas no poder nos níveis regionais e locais. Os soviéticos deportaram milhares de pessoas para a Sibéria.
Como estado comunista, a Lituânia controlada pelos soviéticos se opunha à religião e à livre iniciativa. O novo governo implementou políticas severas contra muitas pessoas na Lituânia ocupada, incluindo judeus e não-judeus. As autoridades comunistas nacionalizaram ass propriedadess privada. Em Eyshishok, alguns dos moradores mais abastados perderam seus negócios e suas residências desta forma. O governo também fechou algumas instituições religiosas.
Em Eyshishok, judeus locais que apoiavam os comunistas implementaram essas políticas dentro de sua própria comunidade. Eles obrigaram o Rabino Rozowski a desocupar sua casa e fecharam a escola hebraica. No entanto, a sinagoga permaneceu aberta, e a comunidade ainda celebrava as festividades religiosas.
Na Lituânia, muitos judeus e não-judeus rejeitaram o controle soviético. Eles se opuseram às políticas de nacionalização dos novos líderes comunistas. Alguns lituanos responsabilizaram os israelitas pelas políticas soviéticas. A ocupação soviética gerou novos ressentimentos, frequentemente baseados em preconceitos antissemitas muito mais antigos.
Ocupação Alemã da Lituânia - Junho de 1941 a 1944
Em 22 de junho de 1941, a Alemanha nazista atacou a União Soviética, incluindo a Polônia e a Lituânia ocupadas pelos soviéticos. Os nazistas travaram uma campanha brutal contra o comunismo e executaram muitas das pessoas que trabalhavam para os ocupantes soviéticos. Muitos lituanos ficaram contentes com o término da ocupação soviética e esperavam o retorno de uma Lituânia independente.
Alguns lituanos anticomunistas receberam bem a chegada das forças militares alemãs. Novas milícias nacionalistas lituanas se formaram e posteriormente se juntaram à campanha alemã contra os comunistas. Em alguns casos, essas milícias também atacaram judeus e realizaram pogroms. A propaganda alemã incentivou os lituanos a culparem os israelitas pelo domínio soviético, e as autoridades alemãs instigaram muitos dos pogroms.
Em agosto de 1941, os alemães estabeleceram uma administração civil alemã na Lituânia ocupada. Os alemães designaram lituanos para diversos cargos administrativos.
A Ocupação Alemã de Eyshishok

No final de junho de 1941, o exército alemão chegou a Eyshishok, mas ali permaneceu por apenas algumas semanas.
Quando os militares partiram, uma administração civil alemã de ocupação assumiu a cidade e a região circunvizinha. Como em muitas partes da Europa, os alemães confiavam em sistemas e colaboradores locais para governar. Assim, os alemães estavam no comando de Eyshishok, mas dentre seus representantes locais haviam vários antissemitas lituanos.
As forças de ocupação alemãs em Eyshishok submeteram os judeus à escravidão, à violência e à humilhação pública. Eles obrigaram os judeus a usar um emblema da Estrela de Davi costurado em suas roupas como forma de identificá-los com facilidade. Eles humilharam homens judeus religiosos cortando suas barbas. Proibiram os israelitas de caminharem pelas calçadas. Os alemães também obrigaram os judeus de Eyshishok a darem a eles seus objetos de valor.
Além disso, os alemães exigiram a criação de um conselho judaico (Judenrat) em Eyshishok. O conselho teve que impor as políticas alemãs. Os membros também precisavam garantir que as exigências de trabalho escravo estabelecidas pelos ocupantes fossem atendidas. Entre outras atribuições, o conselho judaico teve que fornecer alimentos aos ocupantes alemães.
O Assassinato em Massa dos Judeus de Eyshishok – Setembro de 1941
O Holocausto em Eyshishok fez parte da história mais abrangente do Holocausto na Lituânia. Os nazistas conduziram o assassinato em massa de judeus na Lituânia em um ritmo assustadoramente rápido. Na época da ocupação nazista, cerca de 200.000 israelitas viviam na Lituânia. Em apenas seis meses, os alemães, com a ajuda de colaboracionistas lituanos, assassinaram 150 mil judeus.
Uma unidade das SS, que trabalhava em conjunto com a polícia alemã, denominada Einsatzkommando 3 organizou muitos dos massacres na Lituânia ocupada pela Alemanha. Em particular, eles massacraram judeus em comunidades ao redor das cidades de Kovno (Kaunas) e Vilna. O Einsatzkommando 3 era uma pequena unidade e não podia perpetrar assassinatos em massa sozinha e, então, eles recrutaram membros de milícias nacionalistas lituanas em unidades auxiliares. Geralmente eram estas unidades que realizavam os massacres sob supervisão alemã.
Entre os assassinados na Lituânia ocupada pela Alemanha no verão e outono de 1941 estavam os judeus de Eyshishok.
Prelúdio ao Massacre
Em setembro de 1941, o Einsatzkommando 3 e seus auxiliares lituanos começaram a realizar massacres perto de Eyshishok.
Os camponeses locais avisaram os judeus de Eyshishok sobre o que estava acontecendo. Contaram a eles que estavam ocorrendo massacres de israelitas em cidades próximas, inclusive na cidade de Varėna em 10 de setembro de 1941. Varėna estava a aproximadamente 32 km a oeste de Eyshishok. Embora alguns israelitas tenham ignorado esses avisos, o rabino Rozowski os levou a sério, e convocou uma reunião em que incentivou a comunidade judaica a se armar em legítima defesa. Havia hesitação e discordância entre os residentes judeus sobre o melhor curso de ação.
Menos de duas semanas depois, iniciaram-se os assassinatos em massa em Eyshishok.
Domingo, 21 de Setembro de 1941: A Reunião
Domingo, 21 de setembro de 1941, era véspera de Rosh Hashanah, o dia do Ano Novo judaico, e um dos dias mais sagrados do judaísmo.
Naquela manhã, avisos apareceram pela cidade. A administração alemã ordenou que os judeus de Eyshishok entregassem seus pertences de valor e se reunissem na sinagoga naquela noite. Indivíduos armados apareceram na cidade. Muitos israelitas tentaram esconder seus bens valiosos, buscaram esconderijos seguros e tentaram convencer seus entes queridos a fugirem.
Mais tarde, naquele mesmo dia, policiais auxiliares da Lituânia reuniram os judeus de Eyshishok. Eles forçaram os israelitas a irem à sinagoga e aos batei midrashim (lugares designados para o estudo da Torá). Alguns judeus ignoraram a ordem e tentaram fugir ou esconder-se junto a seus vizinhos, funcionários e amigos não-israelitas. Os auxiliares lituanos cercaram a cidade. Eles tentaram impedir que as pessoas saíssem.
Segunda a Quarta - 22 a 24 de Setembro de 1941: Detenção
Por pelo menos três dias, os judeus permaneceram aglomerados na sinagoga e nos dois batei midrashim locais. Eles foram mantidos sem comida nem água, e não havia banheiros. Centenas de judeus foram trazidos de outras cidades, incluindo a cidade próxima de Valkininkai (Olkieniki em polonês).
O Einsatzkommando 3 alemão frequentemente criava centros de detenção improvisados que duravam apenas alguns dias. A detenção de judeus desta maneira era típica do período do Holocausto nessa área. O objetivo era reunir os israelitas de uma comunidade ou distrito em grupo para facilitar seu extermínio.
Zvi Michaeli, de 16 anos, e sua família estavam entre os que foram detidos na sinagoga. Anos depois, ele contou como as pessoas ao seu redor começaram a entrar em pânico. Elas começaram a gritar e berrar, e as crianças choravam. As pessoas pisoteavam umas às outras enquanto se dirigiam para o banheiro improvisado na entrada. O rabino começou a guiar o povo em oração. A sinagoga foi tomada pelos sons de gritos, choros e orações, tudo ao mesmo tempo.
As condições pioraram à medida que mais e mais judeus da região circunvizinha eram forçados a entrar no complexo da sinagoga. Por dois dias e três noites, os judeus foram mantidos dentro da sinagoga, sem espaço, comprimidos uns contra os outros.
Na quarta-feira, 24 de setembro, os assassinos levaram os judeus para fora. Eles forçaram os israelitas a andar por alguns quarteirões, até a área do mercado de cavalos. Para chegar lá, eles passaram pelo centro da cidade, onde alguns dos seus vizinhos se reuniram para assistir e até torcer pelos nazistas. No mercado de cavalos, os israelitas eram vigiados por policiais auxiliares lituanos e seus cães de ataque.
Quinta-Feira, 25 de Setembro de 1941: O Massacre dos Homens Judeus
Na manhã de quinta-feira, 25 de setembro, os perpetradores selecionaram aproximadamente duzentos e cinquenta homens jovens e aptos para o trabalho dentre os milhares reunidos no mercado de cavalos. Os judeus foram informados de que aqueles homens iriam construir um gueto. Contudo, ao invés disto, os auxiliares lituanos dos nazistas os levaram ao antigo cemitério judaico e, lá eles os assassinaram a tiros.
Os judeus detidos no mercado de cavalos conseguiam ouvir os sons do massacre. De acordo com Zvi Michaeli, alguns de seus vizinhos não- israelitas se aproximaram da cerca do mercado e incentivaram os israelitas a correrem e se salvarem, enquanto outros, focados apenas no ganho material, pediram aos judeus que jogassem seus pertences de valor por cima da cerca para eles roubarem.
Cada vez mais homens e meninos eram levados em grupos ao antigo cemitério judeu. Ali, forças auxiliares lituanas os faziam se despir. Enquanto os alemães assistiam, os auxiliares lituanos atiravam nos homens judeus, que caíam, vivos ou mortos, em uma vala pré-existente. Mulheres e crianças permaneceram no mercado de cavalos durante o massacre dos homens.
Zvi Michaeli estava na fila para ser executado com seu pai e irmão mais novo. Durante o tiroteio, a bala apenas o atingiu de raspão. Mas uma bala atingiu seu pai e o corpo dele caiu em cima do de Zvi. Zvi lembrou-se disto em uma entrevista:
Mas ainda estou consciente. Eu sei o que está acontecendo. Sinto que não estou morto... ainda estou vivo. E por um tempo mais longo, sinto o corpo dele sobre mim. E ele ficou cada vez mais pesado, e mais pesado, e mais pesado. Sinto que estou sufocando. Não aguento mais. E eu sinto o sangue dele por todo o meu ser. Foi difícil sair de debaixo dele. Mas, de algum modo, eu consegui …..
Por fim, Zvi rastejou para fora da vala comum e conseguiu escapar.
Sexta-Feira, 26 de Setembro: O Massacre das Mulheres e das Crianças
Na sexta-feira, 26 de setembro, os perpetradores iniciaram o massacre de mulheres e crianças. Eles as levaram em carroças cerca de um quilômetro e meio até um poço de cascalho que era localizado atrás de um cemitério católico. Os auxiliares lituanos separaram as mulheres e crianças, e forçaram as mulheres a se despirem. Em seguida, começaram a atirar nelas, que caíam vivas ou mortas em uma vala comum. Eles estupraram muitas das mulheres mais jovens. Em seguida, eles brutalmente assassinaram as crianças.
Leon Kahn e o irmão dele estavam escondidos no cemitério. Eles testemunharam o assassinato de mulheres e crianças. Leon lembrou mais tarde: "Não era apenas uma questão de executar e assassinar pessoas. Era uma questão de pura selvageria".
Documentando o Massacre: O Relatório de Jäger
Em dezembro de 1941, Karl Jäger, o comandante do Einsatzkommando 3, vangloriou-se de que sua unidade havia solucionado "o problema judaico para a Lituânia" ("das Judenproblem für Litauen").
Em um relatório infame que ele enviou para Berlim, ele listou os locais, as datas e os tamanhos de mais de cem dos massacres que ele comandou. O Einsatzkommando 3 realizou a maioria dos massacres na Lituânia ocupada pelos alemães. O relatório lista a data do massacre em Eyshishok (escrito como Eysisky no relatório) como 27 de setembro. Não está claro se isso foi um erro ou talvez um reflexo do dia em que o massacre foi concluído ou relatado.
Jäger informou a seus superiores em Berlim que sua unidade havia massacrado, no total, 137.346 judeus. Por trás de cada entrada estatística no Relatório de Jäger está o assassinato brutal de pessoas de todas as idades e a destruição de comunidades judaicas na Lituânia e na Bielorrússia.
O relatório de Jäger detalha que 3.446 judeus foram assassinados em Eyshishok. Entre eles estavam 989 homens, 1.636 mulheres e 821 crianças. Relatos de sobreviventes sugerem que o número de mortos deve ser ainda mais alto.
Resgate e Sobrevivência em Eyshishok
Sobrevivendo ao Massacre
Centenas de judeus de Eyshishok inicialmente sobreviveram ao massacre fugindo e se escondendo. O caos daqueles dias ofereceu algumas oportunidades de fuga. Alguns se recusaram a ir para a sinagoga na noite de 21 de setembro. Outros conseguiram escapar da sinagoga ou do mercado de cavalos dias depois. De acordo com testemunhos de sobreviventes, em duas ocasiões os auxiliares lituanos auxiliaram os israelitas a escapar.
Aqueles que fugiram e se esconderam contaram com a ajuda de não-judeus. Eles recorreram aos seus vizinhos, amigos e antigos funcionários poloneses para obter ajuda. Esses poloneses ajudaram a resgatar judeus dos guardas lituanos e alemães, escondendo pessoas em suas casas, e fornecendo roupas para que se disfarçassem como camponeses. Por exemplo, depois que Zvi Michaeli saiu da vala comum, ele foi para a fazenda de amigos da família que eram poloneses. Ele chegou à porta deles nu e coberto de sangue. Eles o ajudaram a se limpar e cuidaram dele.
Mas sobreviver ao massacre não garantiu a sobrevivência dos judeus restantes de Eyshishok. A ocupação alemã e o assassinato em massa dos israelitas europeus haviam apenas começado.
Resgate e Sobrevivência Após o Massacre

Após o massacre, não era mais seguro para os judeus de Eyshishok continuarem na cidade.
Muitos fugiram cerca de quinze quilômetros para o sul, rumo à cidade de Raduń, onde tinham amigos e familiares. Raduń estava localizada em uma área administrativa alemã diferente de Eyshishok e, em setembro de 1941, as execuções em massa ainda eram menos sistemáticas naquela área. Contudo, muitos dos que fugiram para Raduń não sobreviveram ao Holocausto. Eles foram mortos em maio de 1942, quando os alemães destruíram o gueto de Raduń.
Outros judeus se esconderam no campo, tentando evitar serem descobertos. Eles ficavam um tempo com amigos ou desconhecidos polonese; outros uniram-se a unidades de partisans nas florestas próximas.
Conforme a guerra avançava, a vida em Eyshishok e nos arredores tornava-se cada vez mais difícil. Sob a ocupação alemã, as penas por ajudar judeus eram severas. Na região de Eyshishok, aqueles que estavam dispostos a ajudar os israelitas naquele momento de crise não estavam necessariamente dispostos ou capacitados a arriscar uma assistência de longo prazo.
Ainda assim, algumas pessoas ajudaram, apesar de correr grandes riscos. Por exemplo, Kazimierz Korkuć (ver link externo em inglês), um agricultor polonês, escondeu dezesseis judeus em sua propriedade em uma aldeia próxima. Entre aqueles que ele escondeu estavam seus amigos, os Sonensons, incluindo a jovem Yaffa Eliach (nascida Sonenson). Antoni Gawryłkiewicz (ver link externo em inglês), um jovem pastor polonês, ajudou regularmente aquele grupo de israelitas enquanto estavam escondidos, fornecendo-lhes comida e roupas. Ele também atuou como mensageiro entre eles e os partisans da área.
Suspeitos de ajudar judeus a se esconderem, Korkuć e Gawryłkiewicz foram presos, interrogados e espancados por oficiais da ocupação nazista. No entanto, nenhum dos homens admitiu ter escondido israelitas Korkuć foi reconhecido como “Justo entre as Nações” pelo Yad Vashem, em Jerusalém, em 1973. Gawryłkiewicz foi reconhecido como um dos Justos em 1999.
Nem todos os que escaparam do massacre inicial em Eyshishok sobreviveram ao Holocausto. Além dos assassinatos no gueto de Raduń, outros foram chacinados quando seus esconderijos foram descobertos ou enquanto lutavam como parte dos grupos partisans de resistência.
Consequências
Entre julho e outubro de 1944, o Exército Vermelho Soviético expulsou os alemães da Lituânia e ocupou o país. O Exército Vermelho conquistou Eyshishok em 13 de julho de 1944. Nesta época, os judeus que sobreviveram escondidos começaram a retornar à cidade.
No final, apenas algumas dezenas dos judeus de Eyshishok conseguiram sobreviver ao Holocausto.
Os sobreviventes eram atormentados pelas lembranças do que viram naquele final de setembro de 1941 e nos anos seguintes. Zvi Michaeli se lembrou,
Nunca sobrevivi emocional[mente] ao Holocausto. Sou um homem quebrado até hoje. Porque meu corpo ainda está no túmulo, meu pai sobre mim, o sangue do meu irmão e do meu pai ainda estão nas minhas costas. Eles estão comigo. Eles me acompanham no meu dia a dia.
Memorialização na Tower of Faces
Os judeus de Eyshishok são lembrados na Tower of Faces (Torre das Faces), uma exposição no Museu Estadunidense Memorial do Holocausto. A Torre exibe mais de mil fotografias que atestam a rica vida cultural e comunitária criada pelos moradores do shtetl antes do Holocausto.
As fotos foram coletadas por Yaffa Eliach (nascida Sonenson), que também sobreviveu aos massacres em Eyshishok. Eliach era neta de Yitzhak e Alte Katz, que eram proprietários do estúdio de fotografia da cidade e capturaram muitas das imagens em exibição. Eliach viajou ao redor do mundo por quinze anos em busca das fotos. Sobre sua motivação para a Torre, ela escreveu:
Que tipo de memorial poderia possivelmente transcender essas imagens de morte e fazer justiça às vidas plenas e ricas de significado que aquelas pessoas tiveram, eu me perguntei... Decidi que seguiria meu próprio caminho para criar um memorial para a vida, não para a morte.
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Footnote reference1.
A história da região em torno de Eyshishok é complexa. De 1569 a 1795, Vilna e a área ao redor, incluindo Eyshishok, eram parte da Comunidade Polaco-Lituana. No final do século 18, a Comunidade Polaco-Lituana foi dissolvida à força e dividida entre o Reino da Prússia, o Império Austríaco e o Império Russo. De 1795 até o final da Primeira Guerra Mundial, Eyshishok fazia parte da província de Vilna no Império Russo. Com o colapso do Império Russo durante a Primeira Guerra Mundial, a Polônia e a Lituânia foram reconstituídas como Estados independentes. Ambos os Estados reivindicaram Vilna e a região ao redor, incluindo Eyshishok. A fronteira exata permaneceu contestada até 1922, quando Vilna e Eyshishok se tornaram parte da Segunda República Polonesa. Naquela época, Eyshishok estava localizada na unidade administrativa de Nowogródek.
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Footnote reference2.
Miriam Kabacznik Shulman, entrevista por Randy M. Goldman, 23 de julho de 1996, parte 1, transcrição e gravação, The Jeff and Toby Herr Oral History Archive, United States Holocaust Memorial Museum, Washington, DC, RG-50.030.0375, https://collections.ushmm.org/search/catalog/irn504868.
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Footnote reference3.
Zvi Michaeli, entrevista por Irene Squire, 5 de fevereiro de 1996, entrevista 11771, segmentos 62 a 63, transcrição e gravação, Visual History Archive, USC Shoah Foundation.
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Footnote reference4.
Leon Kahn, entrevista concedida a Fran Starr, em 5 de dezembro de 1996, entrevista 23999, segmento 11, transcrição e gravação, Visual History Archive, USC Shoah Foundation.
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Footnote reference5.
Entrevista de Zvi Michaeli conduzida por Irene Squire, 5 de fevereiro de 1996, entrevista nº 11771, segmentos 166–167, transcrição e gravação, Visual History Archive, USC Shoah Foundation.
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Footnote reference6.
Yaffa Eliach, There Once Was a World: A 900-Year Chronicle of the Shtetl of Eishyshok (Boston: Little Brown and Company, 1998), 3.