Introdução

Josef Mengele

Josef Mengele foi uma das figuras mais monstruosas que agiram no Holocausto. Seu trabalho e os experimentos médicos que conduziu em Auschwitz o tornaram o sádico mais conhecido de todos os crimes cometidos naquele campo. Sua longa vida escondida no período pós-Guerra representa o fracasso internacional em levar nazistas culpados de crimes à justiça.

Devido à sua infâmia, Mengele foi tema de vários livros, filmes e programas de televisão populares. Muitas dessas representações distorcem os fatos reais dos crimes de Mengele e o separam de seu contexto histórico. Alguns o retratam como um cientista louco que conduziu experimentos sádicos sem base científica.

A verdade sobre Mengele é ainda mais perturbadora. Ele era um médico e pesquisador altamente treinado, bem como um veterano de guerra condecorado. Era respeitado em sua área e trabalhava para uma das principais instituições de pesquisa da Alemanha. Grande parte de sua pesquisa médica em Auschwitz fundamentou o trabalho de outros cientistas alemães. Ele foi um dos muitos pesquisadores biomédicos que efetuaram experimentos em prisioneiros nos campos de concentração nazistas, e também esteve entre os vários profissionais médicos que selecionavam as vítimas que seriam  assassinadas nas câmaras de gás de Auschwitz. 

Mengele agiu dentro das normas da "ciência alemã" durante o regime nazista. Seus crimes representam o extremo perigo que a ciência representa quando é conduzida a serviço de uma ideologia que nega os direitos, a dignidade e até mesmo a humanidade a certos grupos humanos.

Mengele: Antes de Auschwitz  

Josef Mengele nasceu em 16 de março de 1911, na cidade bávara de Günzburg, na Alemanha, sendo o filho mais velho de Karl Mengele, um próspero fabricante de equipamentos agrícolas. 

Mengele estudou medicina e antropologia física em várias universidades. Em 1935, se recebeu o título de doutor em antropologia física pela Universidade de Munique e em 1936 foi aprovado nos exames de medicina.  

Em 1937, Mengele começou a trabalhar no Instituto de Biologia Hereditária e Higiene Racial, em Frankfurt, na Alemanha. Lá, foi assistente do diretor, o Dr. Otmar von Verschuer. Verschuer era  um importante geneticista, conhecido por suas pesquisas sobre gêmeos. Sob a orientação de Verschuer, Mengele concluiu outro doutorado em 1938. 

Abraçando a Ideologia Nazista

Mengele não apoiou ativamente o Partido Nazista até que este chegasse ao poder. Apesar disso, em 1931, ele entrou para o Stahlhelm, um grupo paramilitar de outro grupo de direita, o Partido Popular Nacional Alemão. Mengele se tornou membro da SA nazista quando ela absorveu seu partido em 1933, mas deixou de participar ativamente em 1934. 

Durante seus estudos universitários Mengele abraçou a causa da "ciência racial", a falsa teoria do racismo biológico. Ele acreditava que os alemães eram biológicamente diferentes e superiores aos membros de todas as demais raças. A "ciência racial" era um princípio fundamental da ideologia nazista, e Hitler a usou para justificar a esterilização forçada de pessoas com certas doenças físicas, mentais ou com deformidades. As Leis Raciais de Nuremberg, que proibiam o casamento entre alemães e judeus, alemães e negros, ou alemães e ciganos, também se baseavam na mencionada "ciência". 

Em 1938, Mengele filiou-se ao partido nazista e foi trabalhar com as SS. Em seu trabalho como cientista, buscou apoiar o objetivo nazista de manter e aumentar a suposta superioridade da “raça” alemã. Verschuer, empregador e mentor de Mengele, também acolheu o racismo biológico. Além de realizar pesquisas, Verschuer e sua equipe – da qual Mengele fazia parte – forneciam pareceres especializados para as autoridades nazistas, que pretendiam determinar se determinadas pessoas deveriam ser  qualificadas como alemãs sob as Leis de Nuremberg. Mengele e seus colegas também avaliavam alemães cuja condição física ou mental poderia ser elegível para esterilização forçada ou impedimento de casamento sob a lei alemã. 

Servindo na Frente Oriental 

Em junho de 1940, Mengele foi convocado para integrar o exército alemão (Wehrmacht). No mês seguinte, ele se voluntariou para o serviço médico da Waffen-SS (o ramo militar das SS). No início, ele trabalhou no Escritório Central para Assuntos de Raça e Colonização (RuSHA) das SS na Polônia então ocupada pelos alemães. Lá, Mengele avaliava os critérios e métodos usados pelas SS para determinar se os indivíduos que afirmavam ser descendentes de alemães eram racial e fisicamente adequados para se qualificar como tais. 

No final de 1940, Mengele foi designado como oficial médico junto ao batalhão de engenharia da Divisão “Wiking” das SS. Por cerca de 18 meses, a partir de junho de 1941, ele presenciou combates extremamente brutais na frente oriental [leste europeu]. Além disto, nas primeiras semanas do ataque da Alemanha à União Soviética, a divisão de Mengele massacrou milhares de civis judeus. Pelos serviços prestados na frente oriental, Mengele foi condecorado com a Cruz de Ferro, tanto de a de 2ª quanto a de 1ª classe, e foi promovido ao posto de capitão das SS (SS-Hauptsturmführer). 

Mengele voltou para a Alemanha em janeiro de 1943. Enquanto aguardava sua próxima missão na Waffen-SS, voltou a trabalhar para seu mentor, Verschuer, o qual havia recentemente se tornado diretor do Instituto Kaiser Wilhelm de Antropologia, Genética Humana e Eugenia (KWI-A), em Berlim. 

Transferência para Auschwitz

Em 30 de maio de 1943, as SS transferiram Mengele para trabalhar em Auschwitz. Existem evidências de que o próprio Mengele solicitou esta missão. Ele foi escalado como um dos médicos do campo de Auschwitz-Birkenau, o maior dos campos de Auschwitz e que também serviu como centro de extermínio para judeus deportados de toda a Europa. Além de outras funções, Mengele era também responsável pelo Zigeunerlager (literalmente, “acampamento cigano”) de Birkenau. A partir de 1943, cerca de 21.000 homens, mulheres e crianças ciganas da sub-etnia Roma (referidos pejorativamente como Zigeuner, isto é, “ciganos”) foram enviados para Auschwitz e presos no Zigeunerlager. Quando este campo para aprisionamento de famílias foi fechado em 2 de agosto de 1944, Mengele participou da seleção dos 2.893 prisioneiros ciganos Roma que seriam assassinados nas câmaras de gás de Birkenau. Pouco depois, ele foi nomeado médico-chefe da parte do complexo do campo de Auschwitz chamada Auschwitz-Birkenau ou Auschwitz II. Em novembro de 1944, foi transferido para o hospital de Birkenau para as SS.

O “Anjo da Morte”: A Seleção dos Prisioneiros a Serem Assassinados

Como parte de suas funções no campo, a equipe médica de Auschwitz realizava as mencionadas seleções. O objetivo das mesmas era o de identificar os prisioneiros incapacitados para o trabalho. As SS consideravam essas pessoas inúteis e, portanto, as condenava à morte. Quando os transportes com judeus chegavam a Birkenau, a equipe médica selecionava  os poucos adultos fisicamente aptos a realizar trabalhos forçados no campo de concentração. Aqueles que não eram selecionados para trabalhar, dentre eles crianças e idosos, eram imediatamente assassinados nas câmaras de gás.

Os médicos de Auschwitz e de outros campos de concentração também realizavam seleções periódicas nas enfermarias e quartéis do campo. Essas seleções eram conduzidas para identificar prisioneiros feridos ou que estaivessem muito doentes ou fracos para trabalhar. As SS utilizavam vários métodos para assassinar estes prisioneiros, incluindo injeções letais e asfixiamento nas câmaras de gás. Mengele rotineiramente realizava essas seleções em Birkenau, o que levou alguns prisioneiros a apelidá-lo de “anjo da morte”. A prisioneira Gisella Perl, uma ginecologista judia aprisionada em Birkenau, mais tarde recordou como a presença de Mengele na enfermaria feminina aterrorizava todas as prisioneiras:

“Temíamos essas visitas mais do que qualquer outra coisa, porque[. . .] nunca sabíamos se teríamos permissão para viver [. . . .]  Ele podia fazer o que bem quisesse conosco”.

– Citação extraída do com o livro de memórias de Gisella Perl, "Eu Fui médica em Auschwitz".1

Depois da Segunda Guerra Mundial, Mengele ficou conhecido por seu trabalho em Auschwitz graças aos relatos de prisioneiros médicos que que foram obrigados a trabalhar com ele, e outros cativos que sobreviveram a seus experimentos. 

Mengele foi um dentre cerca de 50 médicos que serviram em Auschwitz. Ele não era nem o médico mais graduado no complexo do campo de Auschwitz, nem o comandante dos demais médicos de lá, no entanto, seu nome é, de longe, o mais conhecido de todos os que passaram por Auschwitz. Uma das razões para isso era a presença frequente de Mengele na rampa onde aconteciam as seleções. Mesmo quando não desempenhava pessoalmente o papel de selecionador, muitas vezes ele estava presente na rampa buscando gêmeos entre os prisioneiros para levar como cobaias para seus experimentos, bem como médicos para trabalharem na enfermaria de Birkenau. Consequentemente, muitos sobreviventes que passaram pela seleção na chegada a Auschwitz presumiam que Mengele tinha sido o médico que os havia selecionado. No entanto, Mengele não executou essa tarefa com mais frequência do que seus colegas. 

Pesquisadores Biomédicos em Auschwitz 

As SS autorizaram pesquisadores biomédicos alemães a conduzirem experimentos antiéticos, dolorosos e muitas vezes letais em seres humanos nos campos de concentração. Auschwitz fornecia prisioneiros para experimentos conduzidos em vários outros campos, e lá também foi o local de uma variedade de experimentos cruéis em humanos. Isso se devia ao número de prisioneiros enviados para lá. As SS enviaram 1,3 milhão de homens, mulheres e crianças de diversas origens étnicas e nacionais para Auschwitz. Os pesquisadores que procuravam seres humanos que atendessem a seus critérios específicos poderiam encontrá-los com mais facilidade lá do que nos demais campos.

Mengele foi um dos inúmeros médicos das SS a conduzir experimentos em pessoas presas em Auschwitz. Entre aqueles  médicos estavam:

  • Eduard Wirths, diretor médico de Auschwitz;
  • Carl Clauberg, famoso especialista no tratamento de infertilidade;
  • Horst Schumann, que matou milhares de pacientes com deficiência em câmeras de gás durante o Programa de Eutanásia Nazista;
  • Helmut Vetter, médico das SS, que conduziu testes com medicamentos experimentais em prisioneiros nos campos de concentração de Dachau, Auschwitz e Gusen para a subsidiária Bayer da IG Farben ;
  • Johann Paul Kremer, professor de anatomia.

Para estes médicos, a transferência para Auschwitz era considerada uma excelente oportunidade para desenvolver suas pesquisas.

Tipos de Experimentos Conduzidos

Os experimentos nos campos de concentração mutilaram permanentemente as vítimas ou as levavam à morte. Em alguns dos experimentos, a morte era o exatamente o resultado pretendido pelos médicos. Os profissionais de saúde que realizaram experimentos em Auschwitz não obtinham o consentimento dos prisioneiros, nem os informavam sobre seu tratamento ou possíveis efeitos. Os tipos de experimentos conduzidos em Auschwitz incluíam:

  • Testar métodos de esterilização em massa;
  • Causar feridas em prisioneiros ou infectá-los com doenças para estudar seus efeitos e experimentar tratamentos;
  • Realizar cirurgias e procedimentos desnecessários em pacientes para fins de pesquisa ou para treinamento de profissionais médicos;
  • Assassinato e dissecação de prisioneiros para pesquisas antropológicas e médicas.

Os Experimentos de Mengele em Auschwitz

Além de seus deveres rotineiros em Auschwitz, Mengele conduzia pesquisas e experimentos com prisioneiros. Acredita-se que Verschuer, seu mentor, tenha providenciado a transferência de Mengele para Auschwitz com o objetivo de fundamentar a pesquisa do Instituto Kaiser Wilhelm de Antropologia, Genética Humana e Eugenia (KWI-A). Durante seu período em Auschwitz, Mengele enviou a seus colegas na Alemanha sangue, membros do corpo humano, órgãos, esqueletos e fetos, todos retirados dos prisioneiros de Auschwitz. Ele colaborou nos projetos de pesquisa de seus colegas, conduzindo estudos e experimentos para eles usando prisioneiros. 

Além de seu trabalho com o KWI-A, Mengele também realizou seus próprios experimentos em prisioneiros de Auschwitz. Ele esperava publicar os resultados e, assim, obter as credenciais necessárias para se qualificar para um cargo de professor universitário. 

Durante seu serviço naquele campo, Mengele organizou um complexo de pesquisa distribuído  em vários alojamentos. Ele escolheu sua equipe dentre os próprios prisioneiros que também eram profissionais médicos [que eram obrigados a fazer testes em seus irmãos judeus], além de ter conseguido instrumentos e equipamentos atualizados para suas pesquisas, chegando a montar um laboratório de patologia. 

Objetivos de Pesquisa

A pesquisa de Mengele, bem como aquelas que ele conduziu para o KWI-A, geralmente se concentravam em saber como os genes se desenvolviam e se expressavam em determinadas características físicas e mentais. Este tipo de pesquisa, quando conduzido com ética, é um campo legítimo e importante da pesquisa genética; no entanto, o trabalho de Mengele, Verschuer e seus colegas era distorcido por sua crença em uma teoria pseudocientífica da raça que era fundamental para a ideologia nazista. Essa teoria sustentava que as raças humanas são geneticamente distintas umas das outras; ela estabelecia uma hierarquia de raças e enfatizava que membros de raças “inferiores” são geneticamente mais propensos a exibir características negativas do que os de raças “superiores”.  Esses traços hereditários negativos incluíam, supostamente, mais do que apenas doenças e deficiências físicas e mentais, pois eles também geravam comportamentos socialmente inaceitáveis ou imorais, como vadiagem, prostituição e criminalidade. De acordo com a falsa teoria racial, os casamentos entre raças transmitiriam características negativas das raças mais “baixas” para as raças “superiores” e as enfraqueceriam. 

O objetivo dos experimentos era isolar marcadores físicos e bioquímicos específicos que pudessem identificar definitivamente os membros de raças específicas. Mengele e seus colegas acreditavam que encontrar esses marcadores era extremamente importante para preservar a suposta superioridade racial do povo alemão. Para eles, a importância da pesquisa justificava a realização de experimentos nocivos e letais em pessoas, neste caso, os prisioneiros de Auschwitz, que eles consideravam racialmente inferiores.

Quem Eram as Vítimas de Mengele?

Mengele selecionava suas vítimas, principalmente, de dois grupos étnicos: ciganos Roma e judeus. Esses dois grupos eram de interesse especial para pos esquisadores biomédicos na Alemanha nazista. A ideologia nazista considerava tanto os ciganos Roma quanto os judeus como “sub-humanos” que representavam uma ameaça à “raça” alemã e, assim sendo,  os cientistas nazistas não consideravam a ética médica aplicável aos membros destes grupos. 

Durante o período em que Mengele serviu, mais de 20.000 ciganos Roma foram presos e centenas de milhares de judeus foram transportados para Auschwitz-Birkenau. Em nenhum outro lugar do mundo os cientistas poderiam ter acesso a tantos membros destes grupos concentrados em um só lugar; e, em nenhum outro lugar, eles teriam o poder de fazer experimentos em seres humanos da maneira que bem entendessem. Mengele comentou com um colega que seria um crime não aproveitar as oportunidades de experimentação humana em Auschwitz-Birkenau.

Ciganos Roma

Além de escolher os ciganos Roma como sujeitos para seus experimentos médicos, Mengele conduziu um estudo antropológico dos homens, das mulheres e crianças ciganas no Zigeunerlager. Quando houve um surto de Noma, uma gangrena na boca, entre as crianças ciganas do campo, ele designou médicos prisioneiros para estudá-la. Noma é uma infecção bacteriana que afeta principalmente crianças extremamente desnutridas; no entanto, Mengele acreditava que as crianças ciganas em Auschwitz sofriam de Noma por causa de seus genes, e não por causa das péssimas condições sanitárias e de alimentação do campo. Os médicos prisioneiros descobriram como curar a Noma, que normalmente era fatal, mas no final todas as crianças que foram curadas acabaram sendo assassinadas nas câmaras de gás.

Gêmeos

Na década de 1930, os gêmeos eram um dos principais focos da pesquisa genética em humanos. Antes da Segunda Guerra Mundial, Verschuer e outros pesquisadores biomédicos usaram gêmeos para estudar a base hereditária das doenças. Antes do nazismo, esses pesquisadores solicitavam o consentimento dos gêmeos ou de seus pais para levar adiante as pesquisas, mas era difícil recrutar gêmeos em número suficiente para tais estudos. Em Auschwitz, Mengele coletou centenas de pares de gêmeos entre os judeus que chegavam nos transportes e os ciganos Roma lá aprisionados. Nenhum pesquisador jamais havia conseguido estudar e fazer experimentos com um número tão grande de gêmeos. 

Mengele ordenou que sua equipe medisse e registrasse todos os aspectos dos corpos dos gêmeos. Ele tirava grandes quantidades de sangue de seus corpos e, muitas vezes, realizava outros procedimentos dolorosos nos gêmeos. 

“[...] Eles também nos davam injeções em todo o corpo. Por causa dessas injeções, minha irmã adoeceu e ficou com o pescoço inchado por causa de uma infecção grave. Eles a mandaram para o hospital e fizeram cirurgias nela sem anestesia, em condições primitivas. (…)”.  

-   Do relato de Lorenc Andreas Menasche, judeu, no campo número A 12090.2

Mengele também assassinava gêmeos ao mesmo tempo para realizar autópsias nos cadáveres. Depois de estudar as autópsias, ele enviava alguns de seus órgãos para o KWI-A.

Pessoas com Anomalias Congênitas

Quando fazia a seleção dos judeus que chegavam na rampa de entrada de Auschwitz-Birkenau, Mengele procurava pessoas com anomalias físicas, tais como anões, pessoas com gigantismo ou com pés tortos. Essas pessoas eram estudadas e, depois, assassinadas. Seus corpos eram então enviados para a Alemanha para serem estudados por pesquisadores nazistas.

Ele também tinha interesse por ciganos e judeus com Heterocromia, uma condição na qual as pessoas têm um olho de cada cor. Um dos colegas de Mengele no KWI-A tinha um interesse particular sobre esta condição. Assim, pessoas com heterocromia eram assassinadas em Auschwitz para que seus olhos fossem enviados para aquele seu colega. 

Crianças

Sobrevivente de apenas 11 anos, vítima de experimentos médicos em Auschwitz

A maioria das vítimas dos experimentos médicos de Mengele eram crianças. Os pequenos selecionados para experimentos pelo "anjo da morte" viviam em alojamentos separados dos demais prisioneiros e recebiam comida e tratamento um pouco melhores que os demais. Mengele era amigável com as crianças. Em 1985, Moshe Ofer, um sobrevivente dos experimentos de Auschwitz, contou em suas memórias:

“[Mengele] nos visitava como se fosse um tio legal, que nos trazia chocolate. Antes de usar o bisturi ou uma seringa, ele dizia: ‘Não tenha medo, não vai acontecer nada com você...’, e  então injetou substâncias químicas e fez uma cirurgia na coluna de Tibi [meu irmão]. Após os experimentos, ele nos dava presentes...Depois dos experimentos ele nos trazia pequenos presentes...  No decorrer dos experimentos posteriores, ele inseriu alfinetes nas nossas cabeças, ainda é possível ver as cicatrizes. Um dia, ele levou Tibi embora. Meu irmão ficou fora por vários dias. Quando o trouxeram de volta, sua cabeça estava toda enfaixada. Ele morreu nos meus braços”.3

Mengele usava crianças para seus próprios experimentos e também para facilitar o trabalho do KWI-A. Ele colaborou em um estudo sobre o desenvolvimento da cor dos olhos aplicando uma substância fornecida por um de seus colegas nos olhos de crianças e recém-nascidos. Os resultados variavam de irritação e inchaço à cegueira e até mesmo à morte.

Um prisioneiro, designado para cuidar de gêmeos judeus selecionados para os experimentos, descreveu mais tarde como as crianças reagiam emocional e fisicamente ao tratamento:

“Amostras de sangue foram coletadas primeiro dos dedos e depois das artérias, duas ou três vezes por vítima, em alguns casos. As crianças gritavam e tentavam se proteger para não serem tocadas. A equipe acabava recorrendo à força. (…) Gotas também foram colocadas em seus olhos... Algumas crianças receberam gotas em ambos os olhos, e outras em apenas um. … As vítimas sofriam dores horríveis com essas práticas. As pálpebras inchavam até se fecharem, tinham uma sensação de queimação….”.4

Fugindo da Justiça

Em janeiro de 1945, enquanto o Exército Vermelho soviético avançava contra os nazistas pelo oeste da Polônia, Mengele fugiu de Auschwitz com o resto da equipe das SS do local. Ele passou os meses seguintes servindo no campo de Gross-Rosen e seus subcampos. Nos últimos dias da Guerra, ele vestiu um uniforme do exército alemão e se juntou a uma unidade militar. Quando o conflito acabou, essa unidade se rendeu às forças militares dos EUA. 

Fazendo-se passar por oficial do exército alemão, Mengele tornou-se prisioneiro de guerra dos estadunidenses. Ele foi libertado pelo exército dos EUA no início de agosto de 1945, pois não era sabido que ele era o médico que fazia parte de uma lista de criminosos de guerra procurados pela justiça. 

Do final de 1945 até a primavera de 1949, Mengele assumiu um nome falso e trabalhou como lavrador perto de Rosenheim, na Baviera. Foi quando conseguiu estabelecer contato com sua família. Quando souberam dos crimes de Mengele em Auschwitz, os investigadores de crimes de guerra dos EUA tentaram encontrá-lo e prendê-lo mas, acreditando nas mentiras contadas por sua família, os investigadores concluíram que ele havia morrido. O esforço norte-americano para capturá-lo forçou Mengele a reconhecer que não estava seguro na Alemanha. Com o apoio financeiro dos familiares, ele imigrou para a Argentina em julho de 1949 sob a proteção de um nome falso.  

Em 1956, ele se encontrava tão bem estabelecido na Argentina que se sentiu seguro para pedir e obter a cidadania argentina com seu próprio nome, José Mengele. Em 1959, ele soube que os promotores da Alemanha Ocidental haviam descoberto seu paradeiro na Argentina e pretendiam prendê-lo. Ele então  imigrou para o Paraguai e também obteve a cidadania daquele país. Em maio de 1960, agentes da inteligência israelense capturaram Adolf Eichmann na Argentina e o levaram a Israel para ser julgado. Supondo corretamente que os israelenses também estavam à sua procura, Mengele fugiu do Paraguai. Com o apoio de sua família na Alemanha, ele viveu o restante dos seus dias com outro nome falso em uma cidade próxima de São Paulo, no Brasil. Em 7 de fevereiro de 1979, Mengele sofreu um derrame e se afogou enquanto nadava em um resort de férias na região de Bertioga, no Brasil. Ele foi enterrado em um subúrbio de São Paulo com o nome falso de “Wolfgang Gerhard”. 

A Descoberta e Identificação do Corpo de Mengele

Em maio de 1985, os governos da Alemanha, de Israel e dos Estados Unidos estabeleceram um tratado de cooperação para rastrear o foragido e levá-lo à justiça. A polícia alemã invadiu a casa de um amigo da família Mengele em Günzburg, na Alemanha, e encontrou evidências de que o médico havia morrido e sido enterrado perto de São Paulo. A polícia brasileira localizou o túmulo e exumou o cadáver de Mengele em junho de 1985. Especialistas forenses estadunidenses, brasileiros e alemães identificaram os restos mortais como sendo positivamente de Josef Mengele. Em 1992, análises de DNA confirmaram tal conclusão. 

Mengele fugiu por 34 anos e nunca foi foi levado para enfrentar a justiça.